O que aconteceu com Trevor?



Luce diminuiu a velocidade e parou em frente à casa do lago.

Ela estava apaixonada. Pela moto: era uma Honda Shadow 1986 dourada. Era linda.

Sua colega maluca, Rachel Allison, com os cabelos tingidos de vermelho, tinha crescido, e ainda vivia a poucos quilômetros ao norte de sua escola, Dover. Assim, sempre que os pais de Rachel deixavam a cidade, era inevitável juntar a maioria de seus colegas de turma para uma festa.

Esta era a primeira vez de Luce.

Quando Luce saiu de seu turno na funilaria de bicicleta “Pisani”, ela tinha três mensagens de Callie: Uma de como ela faria para ir a festa.Outra avisando que tinha pego emprestado suas sandálias pretas e uma terceira com uma foto de Callie tomando um Mai Tai à bordo de uma das lanchas de Rachel.

Mas foi a voz ao fundo da de Callie, que convenceu Luce a ir a festa.

Trevo Beckman, dizendo: “Diz para Luce vir logo.”

Ele era de longe o cara mais legal na sua turma. E o mais bonito também. Trevor era o capitão da equipe de basquete, o rei do baile, e parceiro de Luce no laboratório na aula de biologia. Ele também já foi namorado de Rachel Allison.

E ainda: Ele queria que Luce se apressasse para ir a festa.

Claro que Luce tinha uma queda por Trevor. Quem não gostaria de ter um Trevor? Alto, forte, sempre rindo, com cabelo castanho escuro que combinava com seus olhos. Tudo sobre o cara era intrigante.

Mas Luce ficava na dela, nunca pensava em fazer algo a respeito. Ela não ia atrás dos caras. Não era seu tipo fazer isso. Enquanto Callie dirigia como louca, Luce sempre ficava confortável admirando, de longe, os músculos de Trevor. Muito mais confortável do que agora, indo sozinha para festa.

Ela desligou o motor da moto e pulou fora, antes que alguém pudesse vê-la e achar que Luce teria recursos para algo assim.

Luce não poderia pagar. Ela tinha pego a moto como empréstimo por uma noite da loja de bicicletas, onde tinha trabalhado a tempo parcial durante os últimos seis semestres, apenas para ser capaz de suportar “incidentes” na Dover. Ela tinha uma bolsa, que vergonhosamente, cobria seu quarto e sua matricula.

Para preservar essa bolsa, Luce tinha que manter por três anos uma linha reta de notas “A”. Para não mencionar três anos de mantê-la em sessões semanais de terapia em segredo, escondido de todos na escola.

Ela provavelmente teria feito isso por três anos, sem nunca ir a uma das famosas festas da Rachel, e por causa do filho do Senhor Pisani. Joe era alguns anos mais velho que Luce. Sexy de uma forma misteriosa. Ele sempre teve olhos para Luce, desde quando ela começou a trabalhar na loja. Ele também sabia que ela tinha adorado a moto que ele ressuscitou de um amontoado de sucata.

No fim da tarde, ele estendeu a mão com a chave para Luce.

“O que é isso?”

“Soube que terá uma festa hoje à noite.” Ele sorriu. “Quer emprestada?”

Primeiramente, Luce balançou a cabeça. Não era necessário. Mas, então, em três dias, ela voltaria para casa, para passar o verão com seus pais em Thunderbolt, Geórgia, onde as coisas ficariam tranqüilas. E chatas.

Três meses inteiros muito,muito chatos.

“Divirta-se.” Joe piscou para Luce.

E então ela partiu. A sensação de andar de moto, do vento correndo sobre seu rosto, na alta velocidade, a emoção de tudo isso era familiar e melhor do que qualquer coisa no mundo.

Isso a fez sentir como se estivesse voando.

Quando ela cruzou o limiar perto de uma tocha da festa, Luce viu Callie em pé perto da água, cercada por um círculo de rapazes. Ela estava usando a parte de cima de um biquíni vermelho, os chinelos de Luce e uma canga longa branca, amarrada na cintura.

“Finalmente!”, Ela gritou quando viu Luce. Os cachos molhados de Callie balançaram quando ela riu. Pelo cabelo molhado, Callie estava nadando, coisa que Luce não conseguia imaginar fazer naquele lago frio e escuro. Ela puxou Luce e sussurrou em seu ouvido: “Adivinha quem acabou de fazer uma briga?”

Trevor estava andando em direção a eles, segurando uma bebida e vestindo sua camisa de basquete e calções de banho. Atrás dele, a poucos metros de distância, Rachel fazia uma expressão irritada.

“Cronometragem perfeita”, disse ele, sorrindo para Luce. Suas palavras saíram um pouco arrastada.

“Trevor!” Rachel gritou. Ela começou a ir atrás dele, mas parou com as mãos nos quadris: “É isso aí. Vou dispensar o barman!”

Trevor parou em frente a Luce. “Que tal uma viagem comigo até o bar?” Callie deu um empurrão em Luce, desaparecendo em seguida, e deixando Luce sozinha com Trevor Beckman.

Ela poderia ter trocado sua roupa manchada antes de ir a festa. Luce puxou o elástico para soltar a longa trança que ela usava para trabalhar. Ela podia sentir os olhos de Trevor em seu cabelo escuro e ondulado: “A bebida parece ótima.”

Trevor sorriu, liderando o caminho em direção ao bar.

No meio do gramado, Rachel estava com seus seguidores ao redor. Quando caminhavam atrás de Luce e Trevor, Rachel inclinou a cabeça para cima e cheirou o ar.”O que cheira a um posto de gasolina?”

“A classe trabalhadora”, respondeu uma de suas seguidoras. Shawna Clip era tão má quanto Rachel, mas não tão inteligente.

“Desculpe”, disse Trevor, puxando Luce para se distanciar. “Elas são umas vadias.”

Luce ficou com as bochechas vermelhas de vergonha. Ela não tinha se ofendido com os insultos de Rachel, mas achava embaraçoso o que o Trevor poderia pensar. Ele olhou para ela por um momento, e a levou em direção ao bar.

“Pensando bem, o pai de Rachel tem cabines abastecidas com álcool também.” Ele sorriu para ela inclinando sua cabeça em direção à mata, o caminho que leva ao lago Winnipesaukee. As tochas não iam tão longe, havendo apenas uma grande floresta negra.

Luce vacilou. As madeiras foi uma das razões que evitaram seu tombo. Para todos os outros, a escuridão da noite significava que era hora de ficar louca no bom sentido.

Para Luce,era quando as sombras apareciam. O que era ruim. Essa era sua primeira vez cara-a-cara com Trevor, sem que estejam segurando um bisturi e respirando formol.

“Lá?” Luce engoliu em seco.

Ele correu o dedo ao longo de sua bochecha. Isso a fez tremer. “É escuro até chegar à clareira, e eu vou segurar sua mão o tempo todo.”

Tudo seria perfeito se não fosse pelas sombras que Luce via, e ela nunca seria capaz de explicar isso ao Trevor.

Porque ela sentia como se estivesse vivendo um pesadelo no qual não conseguia acordar. Se as sombras estavam ali, elas iriam encontrá-la. Elas chegariam bem perto deles como folhas negras geladas. Mas Luce não podia dizer isso a ele.

Escuridão fechada em torno deles, enquanto caminhavam. Luce podia sentir as coisas escuras nas árvores acima de suas cabeças, podia ouvir barulhos fracos nos ramos, mas manteve sua visão no chão.

Até que algo tocou seu ombro. Algo frio e afiado que a fez saltar para a direita, nos braços de Trevor.

“Nada a temer. Está vendo? ”

Trevor começou a andar ao seu redor, mas Luce puxou sua mão. “Vamos chegar logo na cabana.”

Quando eles chegaram à clareira, a lua felizmente voltou à vista. Uma linha pouco nítidas de cabanas estava diante deles.

Luce olhou para a floresta, mas não podia ver o caminho de volta para a festa. Ela pensou ter ouvido uma sombra barulhenta nas árvores novamente.

“Aposto uma corrida com você“,ela disse.

Correram para a primeira cabana, até que ambos desabaram na porta. Eles estavam rindo e sem fôlego. O coração Luce batia rápido pelo esforço e pelo medo e ansiedade sobre o que estavam fazendo tão longe de todos.

Trevor enfiou a mão no bolso e tirou uma chave.

A porta se abriu e eles entraram na cabana. Havia uma lareira, uma cozinha pequena, e em destaque uma cama de casal.

Uma hora atrás, Luce jamais teria acreditado que ficaria sozinha com sua paixão de três anos em uma cabana. Ela não esperava por isso. Ela nunca fez algo assim em sua vida. Trevor foi direto para o bar e começou a derramar algo marrom de um frasco de vidro fosco. Quando ele a entregou o pequeno copo meio cheio, ela não sabia o suficiente sobre bebidas, e tomou um gole gigante.

“Uau.” Ele riu quando ela bebeu. “Finalmente, alguém que precisa de uma bebida tão mal quanto à mim.”

Se Luce estivesse se recuperado da queimadura em sua garganta, ela poderia ter rido, e corrigido sua fala: “alguém que precisa de uma bebida tão mal quanto à eu”. O que significava que ela precisava de uma bebida tão mal quanto ela precisava… dele.

Ele pegou o copo vazio e passou um braço em volta de sua cintura, a puxando tão para perto que seu corpo ficou pressionado contra o dela. Ela podia sentir seu peito musculoso, e o calor de sua pele.

“Rachel e eu, estamos indo mal, sabe?”

Oh Deus. Ela deveria se sentir mal por isso, não é? Ele ia beijá-la e se ela o beijasse de volta, significaria que seu primeiro beijo ia ser com alguém que tinha uma namorada. Uma namorada terrível, uma bruxa, mas ainda assim. Luce sabia que Trevor e Rachel não estavam muito bem, mas sabia que Trevor estava mentindo.

Ele disse isso para brincar com ela. Porque provavelmente ele sabia que ela gostava dele. Provavelmente porque já a pegou olhando para ele inúmeras vezes ao longo dos anos. Ele deve ter sentido que ela o queria.

Ela queria ele, sim, mas até agora tudo tinha sido em uma espécie de fantasia distante. De perto, ela não tinha idéia do que fazer com ele.

Agora seu rosto e lábios estavam bem perto dos dela. Seus olhos pareciam diferentes daqueles que Luce estava acostumada a ver durante as aulas.

E de repente, ela percebeu que não o conhecia muito bem em tudo.

Mas ela queria. Ela queria saber qual era a sensação de ser beijada, e então o beijou, sendo empurrada contra a parede e beijando intensamente, ela ficou tonta, sentia tanta paixão que não havia qualquer espaço para sombras ou uma visita ao sanatório pairando sobre sua cabeça.

“Luce? Você está bem? ”

“Me beije“, ela sussurrou.

Ele não se sentia muito bem, mas já era tarde demais. Os lábios de Trevor desceram sobre os dela. Ela abriu a boca, mas achou difícil beijá-lo de volta. Sua língua parecia amarrada. Ela estava lutando com seus braços como se estivesse em um sonho, tentando combater o beijo, tentando apenas se acalmar e deixar acontecer.

Trevor a segurou pela cintura e a puxou para a cama. Sentaram na ponta, ainda se beijando. Seus olhos estavam fechados, mas Luce os abriu e viu que Trevor estava olhando diretamente para ela.

“O quê?” Ela perguntou, nervosa.

“Nada. Você é… bonita. ”

Ela não sabia o que dizer sobre isso, então ela riu. Trevor começou a beijá-la novamente, seus lábios molhados contra sua boca, seu pescoço. Ela esperou sentiu o “fogo de artifício” que Callie tinha dito.

Tudo sobre o beijo era diferente do que ela esperava. Ela não tinha certeza de como se sentia sobre Trevor, sua língua na dela, suas mãos inquietas. Mas ele parecia saber muito mais sobre isso do que ela. Ela tentou fazer o mesmo que ele.

Ela ouviu alguma coisa e se afastou de Trevor para olhar ao redor da cabana.

“O que foi isso?”

“Isso o quê?” Trevor disse, mordiscando a ponta de sua orelha. Luce olhou para as paredes com painéis de madeira, mas elas estavam vazias de imagens e de qualquer tipo de decoração.

Ela observou a lareira, que estava escura e parada. Por um segundo ela pensou ter visto alguma coisa tipo brasa, um lampejo de amarelo e vermelho, mas tinha sumido.

“Tem certeza de que estamos sozinhos?”, Perguntou ela.

“Claro.” As mãos de Trevor segurou a barra de sua camiseta, levantando-a sobre sua cabeça. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ela estava sentada de sutiã cor azul forte e brilhante.

“Uau” Trevor disse, segurando sua mão sobre os olhos como se estivesse olhando para o sol.

“O quê?” Luce estremeceu, sentindo-se pálida e um pouco embaraçada. “Tudo ficou tão brilhante, de repente,” Trevor disse, piscando. “Não é?”

Luce pensou que sabia o que ele queria dizer. Como algo entre eles sempre foi iluminando nas aulas. Foi esta a faísca que ela estava esperando? Ela se sentiu quente e viva, mas também um pouco incomodada. E como estava exposta.

Isso a fez se sentir desconfortável. Quando ele se inclinou para ela de novo, seu interior se sentiu como se estivessem em chamas, como se tivesse engolido alguma coisa quente. Em seguida, toda a cabana ficou aquecida e foi aumentando de maneira muito clara. Estava ficando difícil respirar, e ela ficou de repente muito tonta, sua visão queimando, sangue corria de sua cabeça. Ela não conseguia ver mais nada.

Trevor agarrou sua cintura, mas ela começou a se afastar. Ela ouviu barulhos de novo, e ela tinha certeza que alguém estava lá na cabana, mas ela não podia ver ninguém, só podia ouvir um barulho crescente. Ela tentou se mover, mas sentiu que estava presa, nos braços de Trevor em torno dela. Ele a abraçou de uma forma que ela pensou que seus ossos fossem quebrar, até que sua pele parecia que estava queimando, até que…

Até que ele tinha ido embora.

Alguém estava balançando os ombros de Luce.

Era Shawna Clip.

Ela estava gritando.

“O que você fez, Lucinda?”

Luce piscou e balançou a cabeça. Ela estava sentada fora da cabana, na noite repleta de fumaça preta. Sentiu muito frio.

“Onde está o Trevor?”, sua voz saía como um sussurro. O vento soprando seus cabelos. Ela tirou alguns fios soltos do rosto e engasgou quando uma enorme quantidade de seu cabelo preto e grosso parecia deslizar para fora de seu couro cabeludo. O que caiu sobre sua mão já estava queimado. Ela gritou.

Luce tropeçou em seus próprios pés. Cruzou os braços sobre o peito e olhou em volta. Ainda assim, o frio, madeiras escuras, ainda sentido uma sombra escura pairando, um grupo de pessoas a olhando.

As cabanas estavam em chamas.

A cabana onde ela estava com Trevor tinha sumido? Quão longe eles foram? O que aconteceu? Tudo agora estava em chamas. As outras cabanas estavam apenas começando a pegar fogo vindo do incêndio da que eles estavam. O ar da noite cheirava a enxofre.

A última coisa que recordava era o beijo

“Que diabos você fez com meu namorado?”

Rachel. Ela ficou entre Luce e as cabanas de monitoramento, com seu rosto vermelho. Seu olhar fez Luce se sentir uma assassina.

Ela abriu a boca, mas nada saiu.

Shawna apontou para Luce. “Eu os segui. Pensei que pegaria os dois transando”, ela cobriu o rosto com as mãos e fungou, “mas foram para dentro, e depois… a coisa toda simplesmente explodiu!”

Rachel ficou sem reação, gritando, e quando olhou em direção a cabana, começou a chorar. Um som horrível se levantou durante a noite.

Foi só então Luce percebeu, com um aperto no peito horrorizado: Trevor ainda estava lá dentro.

Em seguida, o teto da cabana cedeu, cuspindo uma nuvem de fumaça.

A partir dai, as cabanas vizinhas realmente começaram a queimar, mas Luce podia sentir uma escuridão sobre sua cabeça, enorme e implacável. As sombras agora rodavam acima. Tão perto que ela podia tocá-las. Tão perto que ela quase podia ouvir o que elas sussurravam.

Parecia ser o nome dela, “Luce”, mil vezes sendo repetido. Circulando ao seu redor, e em seguida desaparecendo, em algum lugar sombrio.

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